quarta-feira, 22 de julho de 2009

[Lemos no Notícias do Dia, adoramos e publicamos aqui no Cidade Cultural! O Jura Arruda, um de nossos melhores cronistas, "um dos" por que tem o Rubens (rss!), tem vezes que se passa!!! Aí embaixo, mais uma pra nossa coleção de crônicas antológicas do Jura] Coturno e Sapatilha Jura Arruda O poema “Chuvas de Abril”, de Ezter Liu, começa assim: “o coturno (que uso para esmagar com os pés as coisas) / tem me pesado esses dias / quisera fosse ele delicada sapatilha / somente para saltar as poças”. A poetisa pernambucana esboçou em abril um pouco do sentimento que Joinville imagina viver em julho. Ao menos imaginam mídia e cronistas; estes, com freqüência, depositando olhar poético demais sobre o que a dança representa de fato para a cidade. Mas esqueçamos que é época de festival; que Joinville tenta se transformar forçadamente na cidade turística que nunca foi; que os bailarinos pipocam em círculos fechadíssimos pelos arredores do combalido Cachoeira. Esqueçamos que o Centro de Eventos ainda é um grande elefante branco, gerado por uma inseminação artificial, de um sêmen cujo autor nem sabemos. Ou sabemos... Enfim, esqueçamos! A poesia de Liu me fez pensar no que a relação coturno/sapatilha pode representar para uma cidade industrial com um festival de dança encravado no meio de sua rotina. Coloquei-me a pensar no quanto pode ser interessante o exercício de recriar a dança e dar-lhe característica orgânica na cidade, para que se dance de alegria ao sair do trabalho, a esmo e à toa, por viver tão somente, porque há vento e chuva, informalmente e não vestido para uma festa. Em meus devaneios dançar é largar o coturno e, sapatilhas em mente, saltar poças na rua, é rodopiar num Pas-de-deux com quem se ama ao redor do quintal de casa, é encontrar lirismo na fumaça do café em uma manhã discretamente fria. Enquanto se dança os dançares de um grande festival, eu que não tenho rodilhas nos pés, nem desembaraço na cintura, nem bailarinos na família, tento tirar o coturno que uso para esmagar as coisas porque ele não é, nem de longe, sapatilha de saltar poças. Na cidade da dança de meus devaneios, onde se mover é natural, eu andaria em passos de sapateado saltando poças e buracos na calçada; ergueria uma das mãos e levaria a outra, com o indicador e o polegar a tapar-me as narinas para erguer-me num balé de fugir do cheiro do rio semimorto. Passaria ao largo das mazelas de um município sem esgoto, rodopiaria quadras a escapar das enchentes-marés do centro e alçaria meu nariz a mirar um futuro promissor, só porque Joinville seria o ano todo, em cada um, em todo mundo, a cidade da dança onde o mais simples dos cidadãos, a despeito de técnicas russas, saberia mover-se no ar.